Matheus Pires
Vestígios de um homem só
Em “Vestígios de um homem só“, dedico-me especialmente a revisitar arquivos fotográficos de meu pai, seguindo certo protocolo: somente analisar fotografias tiradas por ele ou que o tiveram como motivo.
Completamente imerso nas querelas dualistas do Ciberespaço, a distância emocional – verdadeira lacuna intransponível – que se estabelece entre nós é complementada por certo saudosismo antidemocrático em suas novas narrativas, onde ele retoma com felicidade seus momentos de Militar, no período da Ditadura Brasileira. Algo que, anteriormente, lhe causava dor tamanha e certa vergonha, que marejava seus olhos e confrontava sua essência de forma contumaz. Interessa-me, portanto, a investigação dessa ambiguidade memórica, da reconfiguração de uma presença pelos conceitos do presente, ou pela ausência de parâmetros estruturais.
A série resulta, então, de uma ativação instaurada pelo contato com a única documentação remanescente do passado de meu pai, um envelope que contém algumas poucas fotografias. Nesse receptáculo, me interessa a existência de alguns exemplares recortados, ocultando assim sua substância e, no entanto, contraditoriamente, guardando certa presença lacunar.
Essa experiência me levou à prática de recortar suas antigas fotografias ainda intactas. Nesses recortes, busco me debruçar sobre momentos em que percebo certa suspensão e que assinalam a ambiguidade de sua figura enigmática. Uma presença, povoada pela ausência, vinculada à essência do ato fotográfico, de nos confrontar com uma lembrança, com a descrição visual de algo que foi e que, no entanto, nunca mais se conformará em tais modos de ser, que desvaneceu na esteira transitória do tempo.
Dessa forma, as impressões resultantes estabelecem novas relações a partir da ação do recorte e do agenciamento de diferentes momentos de potência de presença, como é possível observar, por exemplo, no contraste entre os pés que calçam coturnos e que também deixam suas pegadas na areia, no momento da tomada da foto de seu filho na praia.
Essas imagens precisam expressar suas sutilezas e ambiguidades contidas no âmbito daquilo que delas evoca certa suspensão, que nos retira de sua materialidade e demanda o inexpressável, convoca a silenciosa contemplação dos momentos efêmeros que constroem sólidas lacunas.
The series results from a contact with the only remaining documentation from my father's past, an envelope containing a few photographs. In this receptacle, I am interested in the existence of some clipped images, hiding their substance and, however, contradictorily, keeping a certain gap presence.
This experience led me to the practice of cropping his old photographs still intact. In these clippings, I try to focus on moments in which I perceive a certain suspension and which mark the ambiguity of his enigmatic figure. A presence, populated by absence, linked to the essence of the photographic act, of confronting us with a memory, with a visual description of something that was and that, however, will never conform to such modes of being, which vanished in the transitory flow of time.
The resulting impressions establish new relationships based on the action of clipping and assembling different moments of presence power. For example, in the contrast between the feet that wear boots and also leave their footprints in the sand, when taking their son's photo on the beach.